Tuesday, November 16, 2004

Espanto

Para ver como experiências sensoriais e estéticas podem desencadear aquele espanto, que abre um novo mundo para a especulação, e modifica o modo que você passa a encarar os fatos e as pessoas; cito ocorrências que foram decisivas na minha infância para a confecção da minha personalidade:
Os espelhos- na casa em que me criei, numa minúscula cidade do interior paulista, havia no quarto de minha mãe uma penteadeira, um móvel dos anos 60, o qual tinha um espelho grande central(fixo) que se articulava por dobradiças com dois outros espelhos menores em suas laterais(móveis). Quando você movia esses espelhos laterais em direção ao espelho maior, criava um reflexo de espelhos que não acabava mais, como um labirinto. Quando me observava nesses espelhos dentro do espelho, tinha uma experiência de infinitude, e o fato de ver minha imagem refletida ao mesmo tempo em várias posições sem ter que me mover, produziram em mim uma tendência a introspecção, que persistiu. Por isso anos mais tarde, quando tive o primeiro contato com as obras de Borges, e sua fixação por espelhos e reflexos, sorri por dentro.
Ainda os espelhos- é piegas admito, mas outra coisa que me marcou foi uma propaganda, não lembro bem de qual produto, acho que era da Side Walk, não sei. Bem, mas como eu ia dizendo,tal propaganda tinha uma fração de uma música em inglês(e eu dava meus primeiros passos nessa língua).A melodia da música chamava a atenção, tinha algo de etéreo e enigmático.Aí tinha a letra que eu escutava bem claro, tanto que a escrevi num papel e fui procurar um dicionário para traduzí-la por inteiro. A música tinha aproximadamente a seguinte letra:
" A young man stopped in the hall of mirrors, and saw the reflection the self, It was the greatest star".
A música do Etapa- " mais de você em você mesmo".
Os causos de assombração que meu avô me contava, não raro à luz de lamparina, pois no seu sítio ainda não havia chegado eletricidade.
As brasas incandecentes no fogão de lenha da minha avó.
Num domingo de manhã, quando a televisão estava ligada num programa chamado "Concertos para a Juventude" em que tocava a Cavalgada das Valquírias de Wagner, tendo como fundo pinturas que ficaram gravadas na minha memória, e que mais tarde vim a sabre que eram de mestres alemães setecentistas sobre os temas da mitologia germânica.
Um livrinho do Gimnasium Latino, de meu pai, com as folhas amareladas e sua capa, dum verde embaçado pelo tempo, que atiçou minha curiosidade para o mundo da História- um desenho em litogravura que mostrava um grupo de bárbaros, provavelmente gauleses, subindo uma escarpa para atacarem legionários romanos em uma fortaleza.
As procissões noturnas, seguidas por centenas de fiéis carregando velas cercadas por papel de seda colorido, que produzia uma constelação de cores dançantes, que bruxuleavam da igreja matriz até o cruzeiro ao lado do cemitério.
(continua)

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